quinta-feira, 21 de janeiro de 2016
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.300.418 - SC (2012/0000392-9)
RECORRENTE : APL INCORPORAÇÕES E CONSTRUÇÕES LTDA
ADVOGADO : HERCÍLIO EMERICH LENTZ E OUTRO(S)
RECORRIDO : CLÓVIS PAULO CECCATO E OUTRO
ADVOGADO : ANÉSIO KNOTH E OUTRO(S)
INTERES. : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO - "AMICUS CURIAE"
INTERES. : INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR IDEC - "AMICUS CURIAE"
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
1. Clóvis Paulo Ceccato e Andrea Benevides Silva ajuizaram ação em face
de APL - Incorporações e Construções Ltda., objetivando rescisão de contrato de
promessa de compra e venda de unidade habitacional, cumulada com pedido de
restituição das parcelas pagas - deduzidos os valores aportados a título de arras -, bem
como a declaração de nulidade de cláusula que previa a devolução do que foi pago, em
caso de rescisão, somente após o efetivo término da obra. O preço estipulado foi de R$
41.160,00, e, após uma repactuação, afirma que pagou o total de R$ 23.972,68.
O Juízo de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca da Capital/SC julgou
parcialmente procedentes os pedidos, deduzindo do valor a ser restituído apenas o que
foi pago a título de arras (fls. 98-105).
Em grau de apelação, pretendeu a construtora ré a manutenção da cláusula
contratual que determinava a restituição das parcelas pagas somente ao término do
empreendimento (fls. 109-115).
O TJSC negou provimento ao recurso de apelação, mantendo a sentença
nos termos da seguinte ementa:
AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM NULIDADE DE
CLÁUSULA E DEVOLUÇÃO IMEDIATA DAS PARCELAS ADIMPLIDAS.
PREVISÃO CONTRATUAL DE RESTITUIÇÃO SOMENTE AO FINAL DA
CONSTRUÇÃO. ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA. A RESCISÃO DE
COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA IMPLICA NA DEVOLUÇÃO DAS
PARCELAS EFETIVAMENTE ADIMPLIDAS. INTERPRETAÇÃO
CONFORME O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. REEMBOLSO
QUE SE IMPÕE COMO FORMA DE REESTABELECER (SIC) O
EQUILÍBRIO JURÍDICO-PATRIMONIAL ENTRE AS PARTES. RECURSO
CONHECIDO E DESPROVIDO (fl. 136).
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Sobreveio recurso especial apoiado nas alíneas "a" e "c" do permissivo
constitucional, no qual se sustenta, além de dissídio, ofensa ao art. 53 do Código de
Defesa do Consumidor.
Insurge-se a recorrente contra acórdão que determinou a restituição
imediata e em parcela única dos valores pagos pelo promitente comprador, em razão de
desistência/inadimplemento de contrato de promessa de compra e venda de imóvel.
Entende inexistir ilegalidade na cláusula que prevê, para a hipótese de
rescisão contratual, que as parcelas pagas pelo promitente comprador lhes sejam
restituídas somente ao término da obra.
Contra-arrazoado (fls. 189-193), o especial foi admitido (fl. 195).
Ascendendo os autos a esta Corte, verifiquei haver multiplicidade de
recursos a versar o tema tratado nos autos, alusivo à forma de devolução dos valores
devidos ao promitente comprador (se imediatamente, somente ao término da obra ou,
ainda, de forma parcelada) em razão da rescisão do contrato de promessa de compra e
venda de imóvel.
Por isso, afetei o julgamento do presente recurso especial à eg. Segunda
Seção, nos termos do art. 543-C do CPC, bem como da Resolução n. 8/2008.
O Ministério Público Federal, entendendo tratar-se de discussão acerca de
questões meramente patrimoniais e direitos disponíveis, deixou de apresentar parecer (fl.
211).
A Defensoria Pública da União (DPU) pleiteou seu ingresso como amicus
curiae, pedido deferido à fl. 215. Opinou pelo "reconhecimento jurisprudencial da efetiva
possibilidade de imediata restituição ao devedor inadimplente das parcelas quitadas à
data da resolução contratual, monetariamente atualizadas, descontados os custos
gerados ao credor/incorporador, desde que devidamente comprovados e estipulados de
forma explícita, prévia e razoável no contrato" (fl. 230).
Na assentada do dia 8/5/2013, o zeloso membro do Ministério Público
Federal presente na sessão, Dr. Washington Bolivar de Brito Junior, em questão de
ordem, pleiteou o encaminhamento dos autos diretamente ao seu gabinete para
manifestação, nos termos do art. 543-C, § 5º, do CPC, tendo o requerimento sido
atendido pela Seção.
Em seguida, o Ministério Público Federal ofertou parecer assim ementado:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 543-C DO CPC. DIREITO DO
CONSUMIDOR. CLÁUSULA ABUSIVA. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL.
NEGATIVA DE RESTITUIÇÃO IMEDIATA DE VALORES PAGOS PELOS
PROMITENTES COMPRADORES À INCORPORADORA.
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1. Preliminar de questão de ordem. Imprescindibilidade de manifestação do
Ministério Público Federal sobre o mérito do recurso especial repetitivo, dada
a abrangência de seus efeitos e a circunstância de versar sobre direito do
consumidor. Art. 543-C, § 5º, do CPC, arts. 3º, II, e 4º, parágrafo único da
Res. 8/08-STJ, a par do art. 82, III, in fine, do CPC, c. c. o art. 5º, § 1º da Lei
nº 7.341/85 e art. 5º, XXXII, da CRFB.
2. Mérito. Rescisão de contrato de promessa de compra e venda de
empreendimento Imobiliário pelos promitentes compradores. Cláusula
prevendo a restituição dos valores somente após a conclusão da obra.
Condição abusiva, declarada nula de pleno direito. Art. 51, II, IV e XV, do
CDC. Desvantagem excessiva em prejuízo dos consumidores e
enriquecimento ilícito da construtora, que, além de já haver retido o sinal
(arras), poderá recolocar o imóvel à disposição do mercado imobiliário, de
modo a capitalizar-se durante a construção. Precedentes.
PARECER PELO CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO
ESPECIAL (fl. 234).
É o relatório.
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.300.418 - SC (2012/0000392-9)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : APL INCORPORAÇÕES E CONSTRUÇÕES LTDA
ADVOGADO : HERCÍLIO EMERICH LENTZ E OUTRO(S)
RECORRIDO : CLÓVIS PAULO CECCATO E OUTRO
ADVOGADO : ANÉSIO KNOTH E OUTRO(S)
INTERES. : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO - "AMICUS CURIAE"
INTERES. : INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR IDEC - "AMICUS CURIAE"
EMENTA
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA.
ART. 543-C DO CPC. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE
COMPRA DE IMÓVEL. DESFAZIMENTO. DEVOLUÇÃO DE PARTE
DO VALOR PAGO. MOMENTO.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: em contratos submetidos ao
Código de Defesa do Consumidor, é abusiva a cláusula contratual que
determina a restituição dos valores devidos somente ao término da
obra ou de forma parcelada, na hipótese de resolução de contrato de
promessa de compra e venda de imóvel, por culpa de quaisquer
contratantes. Em tais avenças, deve ocorrer a imediata restituição das
parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso
de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente,
caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.
2. Recurso especial não provido.
VOTO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
2. A questão tratada nos autos transcende o interesse individual das partes,
revelando-se com feição multitudinária, de acentuada relevância jurídica e econômica e
com potencialidade de repetição em diversos outros litígios a envolver consumidor e
construtora de imóveis.
Cuida-se de saber se, rescindido o contrato de promessa de compra e
venda de imóvel, celebrado diretamente com a construtora/incorporadora, as parcelas
pagas devem ser restituídas de imediato, proclamando-se a nulidade da cláusula que
determina a devolução somente ao término da obra.
Vale dizer, a celeuma cinge-se apenas ao momento em que os valores
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devem ser restituídos, tendo ambas as partes, no caso em exame, concordado com o
quantum a ser retido pela construtora.
3. É de longa data a jurisprudência firme da Casa sobre o tema.
3.1. Com efeito, a despeito da inexistência literal de disposição que imponha
a devolução imediata do que é devido pelo promitente vendedor de imóvel, inegável que
o Código de Defesa do Consumidor optou por fórmulas abertas para a nunciação das
chamadas "práticas abusivas" e "cláusulas abusivas", lançando mão de um rol
meramente exemplificativo para descrevê-las.
Daí a menção não exauriente contida nos arts. 39 e 51:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras
práticas abusivas [...];
[...]
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais
relativas ao fornecimento de produtos e serviços que [...].
Nessa linha, a jurisprudência da Casa vem proclamando, reiteradamente,
ser abusiva, por ofensa ao art. 51, incisos II e IV, do Código de Defesa do Consumidor, a
cláusula contratual que determina, em caso de rescisão de promessa de compra e venda
de imóvel, a restituição das parcelas pagas somente ao término da obra, haja vista que
poderá o promitente vendedor, uma vez mais, revender o imóvel a terceiros e, a um só
tempo, auferir vantagem com os valores retidos - além da própria valorização do imóvel,
como normalmente acontece.
Se bem analisada, a cláusula que posterga para o término efetivo da obra a
devolução do que é devido pelo construtor parece abusiva mesmo no âmbito do direito
comum, porquanto desde o Código Civil de 1916 - e que foi reafirmado pelo Código Civil
de 2002 - são ilícitas as cláusulas puramente potestativas, assim entendidas aquelas que
sujeitam a pactuação "ao puro arbítrio de uma das partes" (art. 122 do CC/2002 e art. 115
do CC/1916).
De fato, se for mantida hígida a mencionada cláusula, o direito ao
recebimento do que é devido ao consumidor fica submetido ao puro arbítrio do
fornecedor, uma vez que a conclusão da obra é providência que cabe a este com
exclusividade, podendo, inclusive, nem acontecer ou acontecer a destempo.
Nesse caso, o comportamento do fornecedor revela, a meu juízo, evidente
potestatividade, considerado abusivo tanto pelo CDC (art. 51, IX) quanto pelo Código Civil
(art. 122) (por todos, NERY JÚNIOR, Nelson. In. Código brasileiro de defesa do
consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2007, p. 598).
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3.2. A jurisprudência de ambas as Turmas de Direito Privado não vacila
nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE
COMPRA E VENDA. RESCISÃO. MOMENTO DE DEVOLUÇÃO DAS
PARCELAS PAGAS. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS
FUNDAMENTOS.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que
há enriquecimento ilícito da incorporadora na aplicação de cláusula que
obriga o consumidor a esperar pelo término completo das obras para reaver
seu dinheiro, pois aquela poderá revender imediatamente o imóvel sem
assegurar, ao mesmo tempo, a fruição pelo consumidor do dinheiro ali
investido.
[...]
(AgRg no Ag 866.542/SC, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA,
TERCEIRA TURMA, julgado em 04/12/2012, DJe 11/12/2012) ________________________ AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE RESCISÃO
CONTRATUAL - COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - PRESTAÇÃO PAGAS - DEVOLUÇÃO APÓS O TÉRMINO DA OBRA - ABUSIVIDADE - ACÓRDÃO
RECORRIDO EM HARMONIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE - LUCROS CESSANTES - NÃO COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO - RECONHECIMENTO - IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVAS -
INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DESTA CORTE - RECURSO IMPROVIDO.
(AgRg no REsp 1238099/SC, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA
TURMA, julgado em 26/04/2011, DJe 11/05/2011) ________________________ AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DECLARATÓRIA
DE NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL - RESTITUIÇÃO DAS
PARCELAS PAGAS SOMENTE APÓS A CONCLUSÃO DAS OBRAS - ABUSIVIDADE CONFIGURADA - INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83.
I - Há enriquecimento ilícito da incorporadora na aplicação de cláusula que
obriga o consumidor a esperar pelo término completo das obras para reaver
seu dinheiro, pois aquela poderá revender imediatamente o imóvel sem
assegurar, ao mesmo tempo, a fruição pelo consumidor do dinheiro ali
investido.
[...]
(AgRg no REsp 1219345/SC, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 15/02/2011, DJe 28/02/2011) ________________________ AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE
COMPRA E VENDA. RESCISÃO. FUNDAMENTOS INSUFICIENTES PARA
REFORMAR A DECISÃO AGRAVADA.
[...]
3. Há enriquecimento ilícito da incorporadora na aplicação de cláusula que
obriga o consumidor a esperar pelo término completo das obras para reaver
seu dinheiro, pois aquela poderá revender imediatamente o imóvel sem
assegurar, ao mesmo tempo, a fruição pelo consumidor do dinheiro ali
investido
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
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(AgRg no Ag 856.283/SC, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA,
julgado em 02/02/2010, DJe 25/02/2010) ________________________ Consumidor. Recurso especial. Rescisão de contrato de compromisso de
compra e venda de imóvel. Incorporadora que se utiliza de sistema de
'auto-financiamento'. Devolução das parcelas pagas pelo
promitente-comprador, já descontado o valor das arras, apenas após o
término de toda a construção. Aplicação dos princípios consumeristas à
relação jurídica. Irrelevância do veto ao § 1º do art. 53 do CDC. Análise prévia
do contrato-padrão pelo Ministério Público. Irrelevância.
[...] - Apesar do veto ao § 1º do art. 53 do CDC, o teor de tal dispositivo pode ser
depurado a partir dos princípios gerais do direito positivo brasileiro e do CDC.
Precedente: EResp nº 59.870/SP, Rel. Min. Barros Monteiro. - Há enriquecimento ilícito da incorporadora na aplicação de cláusula que
obriga o consumidor a esperar pelo término completo das obras para reaver
seu dinheiro, pois aquela poderá revender imediatamente o imóvel sem
assegurar, ao mesmo tempo, a fruição pelo consumidor do dinheiro ali
investido.
[...]
(REsp 633.793/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 07/06/2005, DJ 27/06/2005, p. 378) ________________________ Transcrevo parte dos judiciosos fundamentos expostos no precedente
acima citado, de relatoria da eminente Ministra Nancy Andrighi, :
Sobre o tema, afirma Nelson Nery Júnior que "O CDC enumerou uma série
de cláusulas consideradas abusivas, dando-lhes o regime da nulidade de
pleno direito (art. 51). Esse rol não é exaustivo, podendo o juiz, diante das
circunstâncias do caso concreto, entender ser abusiva e, portanto, nula,
determinada cláusula contratual. Está para tanto autorizado pelo caput do art.
51 do CDC, que diz serem nulas, 'entre outras', as cláusulas que menciona.
Ademais, o inc. XV do referido artigo contém norma de encerramento, que dá
possibilidade ao juiz de considerar abusiva a cláusula que 'esteja em
desacordo com o sistema de proteção ao consumidor'. Em resumo, os casos
de cláusulas abusivas são enunciados pelo art. 51 do CDC em numerus
apertus e não em numerus clausus" ("Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto". Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 7ª edição, 2001, pág. 463).
A manutenção da cláusula contratual em análise gerará enriquecimento
indevido à recorrente. Conquanto tenha este por linha de defesa a
necessidade de respeito ao auto-financiamento dos imóveis populares
construídos, o fato é que tal disposição obriga o consumidor a esperar pelo
término completo das obras de todo o conjunto habitacional, mas nada diz a
respeito da possibilidade de revenda do mesmo imóvel a terceiro pela
incorporadora, que passaria, assim, a obter um duplo financiamento para a
construção com lastro na mesma unidade residencial.
Com a rescisão contratual, necessário é o retorno ao 'status quo ante' para
as duas partes em iguais condições; não é possível autorizar-se que a
incorporadora possa imediatamente dispor do imóvel sem reconhecer, quanto
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à fruição dos dinheiros empregados, o mesmo direito ao recorrido. ________________________ No âmbito da Quarta Turma, a questão também está pacificada:
CONSUMIDOR. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL.
RESCISÃO CONTRATUAL. CULPA DA CONSTRUTORA. CLÁUSULA A
PREVER A RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS PAGAS SOMENTE AO
TÉRMINO DA OBRA. ABUSIVIDADE. ARRAS. OMISSÃO DO ACÓRDÃO
ACERCA DA SUA NATUREZA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. SÚMULA
356/STF.
1. É abusiva, por ofensa ao art. 51, incisos II e IV, do Código de Defesa do
Consumidor, a cláusula contratual que determina, em caso de rescisão de
promessa de compra e venda de imóvel, por culpa exclusiva da
construtora/incorporadora, a restituição das parcelas pagas somente ao
término da obra, haja vista que poderá o promitente vendedor, uma vez mais,
revender o imóvel a terceiros e, a um só tempo, auferir vantagem com os
valores retidos, além do que a conclusão da obra atrasada, por óbvio, pode
não ocorrer.
2. O acórdão recorrido, muito embora faça alusão ao contrato, não deixa
explicitado se as arras têm natureza confirmatória ou penitencial, tampouco o
recorrente opôs embargos de declaração para aclarar tal ponto. Com efeito,
não sanada a omissão do acórdão acerca da natureza das arras, se
confirmatórias ou penitenciais, o recurso especial esbarra na Súmula
356/STF.
3. Recurso especial improvido.
(REsp 877.980/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA
TURMA, julgado em 03/08/2010, DJe 12/08/2010) ________________________ Após esse precedente, de minha relatoria, seguiram-se diversos outros
proferidos em sede de agravo regimental, todos com a composição atual deste órgão
julgador. Confiram-se, entre outros, os seguintes: AgRg no REsp 997.956/SC, Rel.
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 26/06/2012; AgRg no
REsp 1.238.007/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado
em 15/12/2011; AgRg no REsp 935.443/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,
QUARTA TURMA, julgado em 15/12/2011.
Em sede de decisão monocrática, colho o REsp. n. 1.025.091, de relatoria
do em. Ministro Marco Buzzi, e o REsp 1.249.786, relator em. Ministro Paulo de Tarso
Sanseverino.
Há diversos outros precedentes que também consideram abusiva a
devolução do valor pago pelo comprador de forma apenas parcelada:
PROCESSO CIVIL. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO EM AGRAVO.
PRETENSÃO RECEBIDA COMO AGRAVO REGIMENTAL. PROMESSA DE
COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESCISÃO CONTRATUAL. DEVOLUÇÃO
Documento: 28285888 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 8 de 11
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DAS PARCELAS PAGAS. RAZOABILIDADE NA DETERMINAÇÃO DO
TRIBUNAL DE ORIGEM DE RETENÇÃO DE 20% A TÍTULO DE DESPESAS
ADMINISTRATIVAS. DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS DE FORMA
PARCELADA. ABUSIVIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL.
FALTA DE COTEJO ANALÍTICO. SIMPLES TRANSCRIÇÃO DAS
EMENTAS. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA.
[...]
3.- Esta Corte já decidiu que é abusiva a disposição contratual que
estabelece, em caso de resolução do contrato de compromisso de compra e
venda de imóvel, a restituição dos valores pagos de forma parcelada,
devendo ocorrer a devolução imediatamente e de uma única vez.
[...]
5.- Agravo Regimental a que se nega provimento.
(RCDESP no AREsp 208.018/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 16/10/2012, DJe 05/11/2012) ________________________ AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROMESSA DE COMPRA
E VENDA. IMÓVEL. RESOLUÇÃO DO CONTRATO. DEVOLUÇÃO DAS
PRESTAÇÕES ADIMPLIDAS DE FORMA IMEDIATA E EM PARCELA
ÚNICA.
1 - Abusiva a disposição contratual estabelecendo, em caso de resolução do
contrato de promessa de compra e venda de imóvel, a restituição das
prestações pagas de forma parcelada.
2 - Com a resolução, retornam as partes contratantes à situação jurídica
anterior ("status quo ante"), impondo-se ao comprador o dever de devolver o
imóvel e ao vendedor o de ressarcir as prestações até então adimplidas,
descontada a multa pelo inadimplemento contratual.
3 - Precedentes específicos desta Corte.
4 - AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO PARA CONHECER DO RECURSO
ESPECIAL E LHE DAR PROVIMENTO.
(AgRg no REsp 677.177/PR, Rel. Ministro PAULO DE TARSO
SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/03/2011, DJe
16/03/2011) ________________________ Confiram-se, também, as seguintes decisões monocráticas: REsp. n.
1.062.452/RS, rel. Ministro Marco Buzzi; AREsp. n. 229.075/SP, rel. Ministro Sidnei
Beneti; EDcl no AREsp. n. 21.710/GO, rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva; REsp. n.
1.179.049/DF, rel. Ministro Antônio Carlos Ferreira.
4. Importante ressaltar que esse entendimento - segundo o qual os valores
devidos pela construtora ao consumidor devem ser restituídos imediatamente à resolução
do contrato - aplica-se independentemente se quem deu causa à resolução foi o
comprador ou o vendedor.
É antiga a jurisprudência da Segunda Seção no sentido de que o promitente
comprador de imóvel pode pedir a resolução do contrato sob alegação de
insuportabilidade da prestação devida:
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PROMESSA DE VENDA E COMPRA. RESILIÇÃO. DENÚNCIA PELO
COMPROMISSÁRIO COMPRADOR EM FACE DA INSUPORTABILIDADE
NO PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES.
RESTITUIÇÃO. - O compromissário comprador que deixa de cumprir o contrato em face da
insuportabilidade da obrigação assumida tem o direito de promover ação a
fim de receber a restituição das importâncias pagas.
Embargos de divergência conhecidos e recebidos, em parte.
(EREsp. 59870/SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, SEGUNDA SEÇÃO,
julgado em 10/04/2002, DJ 09/12/2002, p. 281) ________________________ Na verdade, a questão relativa à culpa pelo desfazimento da pactuação
resolve-se na calibragem do valor a ser restituído ao comprador e não pela forma ou
prazo de devolução.
É assente o entendimento de que a resolução do contrato de promessa de
compra e venda de imóvel por culpa (ou por pedido imotivado) do consumidor gera o
direito de retenção, pelo fornecedor, de parte do valor pago, isso para recompor
eventuais perdas e custos inerentes ao empreendimento, sem prejuízo de outros valores
decorrentes, por exemplo, da prévia ocupação do imóvel pelo consumidor.
No mencionado precedente da Segunda Seção (EREsp. 59.870/SP)
adotou-se como parâmetro razoável - mas não peremptório - para a retenção o
percentual de 25% sobre as parcelas pagas pelo consumidor, entendimento que vem
sendo replicado cotidianamente por esta Corte: EAg 1138183/PE, Rel. Ministro SIDNEI
BENETI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/06/2012; AgRg no REsp 927.433/DF, Rel.
Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 14/02/2012; REsp
838.516/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
17/05/2011; AgRg no Ag 1010279/MG, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES,
QUARTA TURMA, julgado em 12/05/2009.
Portanto, a consequência jurídica para a resolução do contrato por culpa do
promitente comprador é a perda parcial das parcelas pagas em benefício do
construtor/vendedor, devendo o saldo, todavia, ser restituído imediatamente à resolução
da avença.
Em sentido oposto, na hipótese de o construtor/vendedor der causa à
resolução do contrato, por óbvio a restituição das parcelas pagas deve ocorrer em sua
integralidade, nos termos da torrencial jurisprudência da Casa: AgRg nos EAg
616048/RJ, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em
24/05/2006; REsp 644.984/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 16/08/2005, DJ 05/09/2005; EDcl no REsp 620.257/RJ, Rel. Ministro SIDNEI
BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/09/2008; AgRg no Ag 830546/RJ, Rel.
Documento: 28285888 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 1 0 de 11
Superior Tribunal de Justiça
Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 14/08/2007.
5. Assim, encaminho o seguinte entendimento para efeitos do art. 543-C do
CPC:
Em contratos submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, é
abusiva a cláusula contratual que determina a restituição dos valores devidos
somente ao término da obra ou de forma parcelada, na hipótese de resolução de
contrato de promessa de compra e venda de imóvel, por culpa de quaisquer
contratantes. Em tais avenças, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas
pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do
promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador
quem deu causa ao desfazimento.
6. Diante do exposto, e analisando o caso concreto, que foi bem
solucionado pelo Tribunal a quo, nego provimento ao recurso especial.
É como voto
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